“O Estado é laico, mas o presidente é cristão.” O discurso religioso é uma marca do atual presidente Jair Bolsonaro e um dos pilares do lema “Deus, Pátria e Família” que guia o seu mandato. Particularmente, entre o eleitorado evangélico, instaurou-se uma guerra santa entre aqueles que apoiam Bolsonaro e representam o “bem” e os de “ideologia maligna” associados a Lula. Nas redes sociais, os principais influenciadores e coachs digitais gospel do país garantem o palanque eleitoral para o candidato à reeleição e atingem a milhões de pessoas reverberando mentiras de que Lula fechará igrejas, tem pacto com o demônio, é favorável ao aborto, ao kit gay, ao sacrifício de crianças, para citar alguns exemplos. Nas igrejas, repete-se o mesmo discurso, solicitando ainda aos fiéis “jejum de informações”, ou seja, que não acessem canais de notícias e sigam apenas as orientações dos pastores.
O obscurantismo, a doutrinação e o autoritarismo seguem a uma lógica de repetição para manipular as pessoas. Nesse caso, entre os métodos utilizados, um deles se destacou por ter sido base tanto para o totalitarismo de esquerda como de direita a partir das teorias do russo Serguei Tchakhotin. No início do século XX, ele desenvolveu a bio-psicologia da propaganda que aliava os estudos de Pavlov, Taylor e Freud. Em suas análises, Tchakhotin sustenta que três fatos levam a humanidade ao perigo. O primeiro se refere a possibilidade percebida por certos homens de fazer da grande maioria marionetes e desse modo, condicioná-los a servos de suas ideias, violando-os psiquicamente. O segundo fato se refere que existem possibilidades concretas, na própria natureza humana, para a prática da manipulação, e que a proporção entre seres humanos que sucumbem a elas e outros capazes de resistir é de dez contra um. O terceiro e último fato consiste na naturalização da violência psíquica sem que nada se oponha e, quando ocorre algum tipo de resistência, normalmente, é seguida de desespero, pois a maioria não sabe a que se apegar, que medidas tomar e como segurar a onda que se levanta (TCHAKHOTIN apud PÊCHEUX, 2015, p. 77).

Face ao pânico sobre as incertezas da vida real, cresce, como já teorizava Spinoza ainda no século XVII, a superstição e as possibilidades de manipulação. Na adversidade, afirma, “não sabendo para onde voltar-se, suplicam conselhos a todos e estão prontos a seguir todos os que lhes forem dados, por mais ineptos absurdos ou ineficazes que possam ser” (SPINOZA, 2014, p. 44). Assim, ainda que beire à total irracionalidade de sentidos, sob o medo, o ser humano fragiliza-se e sucumbe, muitas vezes, à violência psíquica. Submetidos à desinformação, como pedem certos pastores, os fiéis tornam-se alvos dóceis e facilmente manipuláveis e, por conseguinte, qualquer contradito vira obra do demônio. Nada ou qualquer argumentação é levada em conta e a cegueira impera.
Na década de 1930, em pleno cenário de convulsão social que culminaria na Segunda Guerra Mundial, nascia no Brasil um movimento de inspiração nazifascista, chamado Integralismo que, por sua vez, lançou o lema “Deus, Pátria, Família”. O “profeta” do integralismo, o escritor e político Plínio Salgado argumentava que o objetivo do movimento era formar um povo que colocasse os interesses da pátria acima dos interesses de classes, fundamentado em uma concepção radical e conservadora. “Deus dirige o destino dos povos”, assim abria o manifesto de 1932 que pregava o não reconhecimento de partidos e a supremacia da “Nação”, de sua autoridade e de seus dispositivos. Almejava-se “uma cultura, uma civilização, um modo de vida genuinamente brasileiros”. Para os integralistas, a família e a nação estão diretamente ligadas: “o Homem e sua família precederam o Estado. O Estado deve ser forte para manter o Homem íntegro e a sua família. Pois a família é que cria as virtudes que consolidam o Estado. O Estado mesmo é uma grande família, um conjunto de famílias”.
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