Campo de terra, campo de vida: alternativas de resistência negra e o negritude futebol clube (Roberta Pereira da Silva), Economia para transformação social: pequeno manual para mudar o mundo (Juliane Furno, Pedro Rossi e Gazetinha da Guanabara) e O rio, a cidade e o poeta: cultura popular e o construtivismo na poética de João Cabral de Melo Neto (Thaís Toshimitsu)
A autora mostrou a sociabilidade na organização da classe trabalhadora, negra e periférica pelas histórias do Negritude FC e em meio às questões e desafios étnico-raciais, de gênero, infância, juventude e espaço urbano. Fez o trabalho de campo e ouviu interlocutores, acompanhou partidas de futebol e festas, observou a dinâmica e organização do time e do bairro, levantou materiais e estudou documentos que lhe permitiram uma intepretação fecunda do movimento de resistência pela autoafirmação da identidade negra, de gênero e luta contra o racismo, o machismo, o patriarcalismo e as violações de direitos de crianças e adolescentes.
A obra traz o sentido de que, se você quer entender o futebol no Brasil, comece pelo futebol de várzea, que está na base da pirâmide social e expressa a desigualdade de nossa sociedade e o lado mais democrático do esporte bretão, não sem conflitos, contradições e transformações.
[Sandro Barbosa de Oliveira] Cientista social, professor e educador popular.
ECONOMIA PARA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: PEQUENO MANUAL PARA MUDAR O MUNDO
Juliane Furno, Pedro Rossi e Gazetinha da Guanabara, Autonomia Literária e Fundação Perseu Abramo
Uma “ciência conformista” vem dominando o noticiário, a política e nossa própria visão de mundo: a ciência econômica ortodoxa. É uma ciência repleta de jargão técnico, matematização e arrogância, de forma que exclui do debate a grande maioria da população, relegada a um papel passivo. Não por acaso, sua postura excludente se alia com perfeição à cartilha de medidas tecnocráticas e conservadoras que ela propõe, enquanto naturaliza as injustiças do mercado.
Postura diametralmente oposta é a adotada no livro Economia para transformação social, em que a comunicabilidade includente é a maior aliada de uma ciência heterodoxa que politiza as questões, recusando o discurso de que “não há alternativas”. Aprofundando os temas de um curso homônimo da Fundação Perseu Abramo (FPA), o livro foi escrito pelos economistas Juliane Furno e Pedro Rossi em um intensivo processo de diálogo com as dezenas de ilustrações elaboradas pela equipe de economistas e designers da Gazetinha da Guanabara.
Tal processo é o que garante seu grande potencial comunicativo. Procurou-se ilustrar as ideias centrais de cada argumento, sem deixar lacunas conceituais, mas, pelo contrário, criando imagens esquemáticas que explicitam a intencionalidade do argumento, sempre sem perder um caráter lúdico e amigável. Isso obrigou muitas idas e vindas entre a teoria e a ilustração, muitas reescritas do texto e infindáveis versões dos desenhos, até a aprovação tanto dos economistas como dos ilustradores.
O resultado é um livro ímpar, repleto de imagens convidativas ao olhar, mas densas de conceitos rigorosos, que catapultam o leitor a uma leitura guiada junto ao texto e sua linguagem simples e direta. Temos assim esse “pequeno manual” que, em dezesseis curtos capítulos, desmonta uma série de mitos conformistas repetidos diariamente no debate público, trazendo a política para o primeiro plano e resgatando nosso papel ativo na transformação social.
[André Aranha] Diretor da Gazetinha da Guanabara, canal de economia desenhada e politizada.
O RIO, A CIDADE E O POETA: CULTURA POPULAR E CONSTRUTIVISMO NA POÉTICA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Thaís Toshimitsu, Editora UFABC
O que leva João Cabral de Melo Neto a experimentar em sua obra o dado popular, de um lado, e o racionalismo mais avançado, de outro? Nesse livro, Thaís Toshimitsu nos mostra que os cheiros do Nordeste, aqueles mesmos que estão “tatuados em sua pele” como filha de mãe pernambucana, orientam a obra do autor em um caminho-dualidade que se espelha em seu olhar e nas sobreposições de dualidades que sua obra apresenta.
Thaís é doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP e professora de Literatura. Nessa obra, ela examina a poesia de João Cabral, sobretudo dos anos 1950 ao início dos anos 1960, em articulação com outras artes e com sua matéria histórica.
Segundo a autora, “o que pareciam ser dois polos são vistos e trabalhados por Cabral como elos”, o que faz com que sua obra se estabilize num balanço, por meio da justaposição de duas pontas opostas que constituem historicamente a sociedade brasileira.
O livro está dividido em três partes. Na primeira, “A crítica concretista e a poesia como lugar do diálogo”, Thaís faz uma revisão histórica das linhas críticas mais importantes na poesia de Cabral, com ênfase ao caminho aberto pelos poetas do Concretismo. Na segunda, “A poética do rio”, a autora detalha esse “jeito de fazer” cabralino, em que se toma o elemento geográfico como signo do convívio entre contrários. Na terceira parte, “O projeto de racionalidade contra o fundo da matéria histórica”, Thaís fala sobre a criação da cidade de Brasília e como esse episódio da história do país ecoa nos poemas de João Cabral, pontuando que, “dentre todas as expressões artísticas, a arquitetura é a que está mais fundada no real”.
Thaís nos ajuda a entender que ler Cabral não “é apenas ler as singularidades de saídas pessoais, mas é ver atravessar-lhe o tempo, é entender a complexidade de um país que se desejava moderno, ao modo ainda colonial”, mostrando a atualidade da obra do autor, que completaria 100 anos em 2020, quando o país, assombrado por uma pandemia mundial, viveu também o assombro de uma virada à direita.
[Michelle Prazeres] Jornalista e educadora.
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