O primeiro turno das eleições mostrou uma sociedade fraturada, dividida, com dois grandes grupos sociais se enfrentando e buscando se impor um sobre o outro. Um tem 48% dos votos; outro, 43%. E não há possibilidade de negociação. O meio de campo, ou a terceira via, como querem alguns, deixou de existir. E essa situação não é de hoje.
A direita radical, para não chamar de fascista, já atraiu 49,2 milhões de votos em 2018. Agora, no primeiro turno, em 2022, conseguiu agregar, em torno do núcleo duro bolsonarista, 51 milhões de votos. É uma extrema direita consolidada, que atraiu os votos de integrantes do PSDB, do PMDB e de outras agremiações que se alinham na defesa do neoliberalismo e que migraram para a defesa de regimes autoritários. Essa direita radical veio para ficar, é tarefa de uma geração enfrentá-la. Essa situação não se resolve com uma eleição.
De fato, é um fenômeno que se alinha ao que ocorre no plano internacional, consequência da dinâmica de um capitalismo cada vez mais controlado pelas grandes corporações, com maiores poderes que governos nacionais, e que se opõem a qualquer regulação que estabeleça limites à sua voracidade pelo lucro. O Brasil passou a ser um espaço de uma exploração predatória de riquezas naturais, sejam elas minérios, petróleo, madeira, produtos agrícolas ou carne. Não interessa a condição de vida dos brasileiros, tampouco o cuidado com o meio ambiente. A lógica é destruir para lucrar.
Não é de hoje que os donos do dinheiro impõem sua vontade sobre o sistema político, mas mudou quem controla o dinheiro. Hoje não são mais famílias, embora elas se beneficiem dos lucros; são os fundos financeiros e os grandes bancos internacionais. Quem financia as mineradoras que promovem a destruição da Amazônia em busca de lucro? São fundos de investimento e grandes bancos, nacionais e internacionais. Para eles não importa se hoje cerca de 30 mil pessoas, entre povos indígenas e ribeirinhos apenas do Tapajós, estejam contaminadas com mercúrio. Não importa a destruição do Brasil. Quando acabar, eles vão para outro lugar.
E, para promover essa destruição, essa expansão do lucro sem limites, e garantir seus privilégios, os grandes empresários do Brasil deram o golpe que depôs Dilma Rousseff e se aliaram a milicianos, ao crime organizado. Febraban, CNI, Fiesp, o agronegócio e outras associações empresariais, por não encontrarem alternativa, elegeram Bolsonaro em 2018. Isso depois de terem posto, arbitrariamente, Lula na cadeia, para impedir sua eleição em 2018, e o fizeram com a anuência do STF.
No primeiro turno dessa eleição, é impressionante que tenham sido eleitos, e bem eleitos, os responsáveis pelo genocídio provocado pela deliberada omissão do governo na pandemia de Covid-19; que a pilhagem desse governo sobre o dinheiro público não seja identificada como corrupção; que as violações legais que levaram Lula à cadeia e destruíram cadeias produtivas do Brasil pela Lava Jato não sejam motivo para condenar Moro e Dallagnol, que se elegeram com muitos votos. A agenda que mobiliza esses eleitores é a defesa dos privilégios, de uma moral conservadora, da família tradicional. Deus, pátria, família e liberdade. Liberdade para quem? Para portar armas? São elementos do fascismo.
Agora se estabelece, neste segundo turno, uma disputa entre essa extrema direita e uma grande coalizão democrática que luta para assegurar um governo que respeite direitos, cuide das famílias por meio das políticas públicas e erradique a fome e a miséria. É um programa sem transformações estruturais, mas com a pretensão de restaurar direitos sociais, a democracia e os limites para a voracidade do capital.
A disputa será dura. A extrema direita conta hoje com grande apoio de um segmento internacional, de governadores eleitos, de máquinas partidárias azeitadas com dinheiro público. A caneta do presidente retira bilhões de reais da educação, da saúde, das políticas sociais, para repassá-los a aliados e garantir votos que assegurem sua reeleição. A grande maioria, que se informa basicamente pelas redes sociais, hoje o principal palco da disputa política, tem sido bombardeada com fake news. Pastores dizem até que, se Lula se eleger, ele vai fechar as igrejas evangélicas. É um jogo sujo, de mentiras, de manipulação da opinião pública.
A disputa eleitoral no segundo turno não será fácil. E o que está em jogo não é coisa menor, é nosso futuro e das próximas gerações. Seu resultado vai definir se continuaremos a lutar pelo aprimoramento de uma democracia sempre inacabada ou se mergulharemos na barbárie, no obscurantismo, na selvageria, na perseguição aos diferentes, na destruição do Brasil.
Não podemos esquecer que aqueles que defendem a democracia são 60% dos brasileiros. Somos a maioria. Mas não estamos tão organizados quanto a extrema direita, não dispomos da caneta do presidente nem dos recursos que ela mobiliza. É um momento que exige compromisso, empenho, militância. Se quisermos assegurar um futuro melhor para nós, nossos filhos e as futuras gerações, teremos de pôr um ponto final nessa trajetória do autoritarismo. Temos de vencer e eleger Lula. E cada voto conta. No mundo das nossas relações pessoais, nas portas do metrô, nos espaços públicos, nossa atuação nessas próximas semanas será decisiva.
Para aqueles que não votaram em Lula, faço um apelo: considere o que está em jogo, considere o que pode acontecer com o Brasil, com sua família, seus amigos, seus colegas, seus irmãos de fé. Continuaremos com um governo que diz que a economia vai bem quando temos 33 milhões de brasileiros passando fome? Continuaremos com um governo que deliberadamente se omitiu no combate à pandemia, que matou quase 700 mil pessoas, nossos parentes, amigos, conhecidos? Continuaremos com um governo que entrega as riquezas nacionais para os estrangeiros?
Neste momento, crucial para a vida dos brasileiros, você tem o poder de decidir. Seu voto conta. Ele pode fazer a diferença.
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