Voltando
ao tema do “argumento espantalho” no Brasil, porque direita e
extrema direita brasileira detestam tanto o chavismo sem Chávez,
assim como odiavam com o ex-tenente coronel vivo? Seria por uma
reprodução automática da lista de inimigos dos EUA? Está
relacionada com o emprego dos recursos da PDVSA na promoção social?
Seria uma crítica honesta contra o culto à personalidade e a
militarização do país? Não alimentamos ilusões de grandeza
intelectual da laia “nacional”. Em tese, no discurso difundido, o
“bolivarianismo” seria uma forma particularmente nefasta de
“socialismo”, seja lá o que isso signifique na metástase
intelectual que acomete coxinhas e galinhas verdes! Se há um ponto
de encontro no ódio à Venezuela, esse decorre do preconceito que
existe no Brasil contra qualquer pensamento político-filosófico que
seja diferente da lógica servil e neocolonial que domina o
pensamento de boa parte das elites e classes médias por aqui. Lógico
que tamanho servilismo é aos Estados Unidos da América, confundindo
os interesses da superpotência com o dessas frações de classe
colonizadas, subalternas, racistas, exploradoras e parasitárias em
grande medida.
A hostilidade contra a Venezuela chega aos quartéis
Essa hostilidade à Venezuela, como já dita antes, mesmo sendo presente em todo século XXI, chegou a um patamar inédito até aqui, com a realização de exercícios militares pelo Exército Brasileiro (também chamado de Exército “de Caxias”) na Região Amazônica, em setembro de 2020. Esse exercício, chamado de Amazônia 2020, envolveu 3300 homens (equivalentes a um Regimento com efetivo completo), vindos de unidades de todos os cinco Comandos Militares existentes no Brasil.
Nesse
exercício foi simulado o seguinte cenário: um país vizinho,
denominado de “País Vermelho” invade o território do “País
Azul”, que tem como objetivo, retomar os territórios perdidos, a
partir de uma contraofensiva. Ainda que a escolha das cores
utilizadas possa suscitar possível direcionamento ideológico, com a
cor vermelha sendo atribuída a Venezuela, cabe destacar que o padrão
de identificação amigo/inimigo utilizada no planejamento das
operações é baseado no padrão
de identificação utilizado pela OTAN, o padrão BLUEFOR/REDFOR.
O
que levanta suspeita quanto à execução do “Amazônia 2020”
(que é realizado anualmente desde 2002) é a retórica cada vez mais
hostil do Governo Federal, que em 2019 cogitou
em participar de uma possível invasão à Venezuela, em conjunto
com Colômbia e Estados Unidos.
Essa
possível operação militar não atende a nenhuma necessidade formal
e soberana do Brasil, pois os recursos naturais que a Venezuela
possui o Estado brasileiro já é possuidor. Politicamente, uma
hipotética vitória contra um país cercado, sob um bloqueio
criminoso e escasso de bens fundamentais, não nos traria prestígio
algum na América do Sul. Muito pelo contrário. Uma provável
derrota militar a partir da estratégia de resistência venezuelana,
coincidentemente também defendida pelo Exército Brasileiro,
mancharia ainda mais a reputação do país internacionalmente. Já a
combalida economia brasileira, entregue aos desígnios neoliberais
desde 2015, passaria maus bocados pelas restrições que o conflito
poderia trazer. Mas então, o que move esse desejo do governo
brasileiro hoje?
A
ideologia servil e nada mais. Não é novidade o alinhamento
ideológico do Brasil com os Estados Unidos, que vem desde os
anos de 1940, no mínimo. Contudo, desde 2015, vimos tanto a elite
política brasileira como militares de alto escalão, explicitamente
alinhados aos discursos e teses dos EUA. Após o golpe disfarçado de
impeachment, o governo Temer acelerou a subserviência do Estado
brasileiro ao seu poderoso do norte. Isso ocorreu a partir de duas
maneiras e foi intensificado no governo Bolsonaro.
As duas formas de subserviência
A
primeira forma de subserviência explícita foi assinatura de
tratados militares com os EUA, onde temos a cessão do uso da Base
Aérea de Alcântara, no Maranhão, sob as cláusulas, no mínimo,
estranhas. Entre seus termos, está a proibição de pessoal
brasileiro transitar em algumas áreas do complexo. O resultado mais
visível desse acordo é a impossibilidade do desenvolvimento do
programa espacial brasileiro, que ficaria refém das graças – ou
garras do programa espacial estadunidense. Se fosse o caso de imitar
o Império, teríamos de acelerar o programa espacial brasileiro
ao invés de subordiná-lo a um país que lidera o setor. Isso, no
longo prazo, impacta no desenvolvimento de tecnologias.
Como
se não fosse pouco, ainda há o pacto RDT&E (Sigla para
Pesquisa, Desenvolvimento, Testes e Avaliação), que segundo seus
entusiastas, seria o primeiro passo para inserir as empresas
brasileiras no setor de defesa estadunidense. Entretanto, esse mesmo
acordo abre
o mercado brasileiro de defesa para as empresas dos EUA. Enquanto
a maioria das firmas do setor em nosso país são empresas pequenas,
do outro lado temos a máquina do Complexo Industrial-Militar,
composta por empresas gigantes, como a divisão militar da Boeing, ou
a Lockheed Martin, que, com facilidade, podem dominar e ampliar a
desindustrialização do Brasil. Podem fazer isso através da
aquisição de empresas menores ou a simples concorrência, com seus
ganhos de escala e expertise.
Nesse
ponto, ainda há o reconhecimento do Brasil como aliado prioritário
extra-OTAN, que além de nos afastar da criação de soluções
locais para os desafios dessa área, coloca o Brasil numa posição
de amplificador local dos métodos e teses estadunidenses para a
América Latina. Com isso, importamos
e espalhamos na América Latina “soluções” que são
incompatíveis com os problemas das nações da região.
A
segunda forma do estreitamento desse alinhamento irrestrito com os
Estados Unidos ocorre pelo envio
de oficiais para servir no âmbito do SOUTHCOM (Comando Militar
do Sul Global dos EUA). Iniciado ainda no governo Temer, essa ação
declaradamente subserviente coloca em xeque a lealdade dos oficiais
que para lá são enviados. Ao invés de defender o Brasil, mesmo em
sua visão idealizada pela burocracia formal, estes militares prestam
deferência à autoridade estrangeira, o que em hipótese de
conflito, pode ser muito problemático. Além disso, o salário deste
militar enviado para os EUA é pago pelo contribuinte brasileiro. Nós
pagamos aqueles que em caso de ameaça militar, provavelmente não
nos protegerão. Situação vexatória, absurda e injustificável.
O
brigadeiro
da Força Aérea Brasileira, David Almeida
Alcoforado, está no Comando Sul desde janeiro de 2020 e, em outubro
do mesmo ano, foi alocado na como subdiretor na Diretoria de
Estratégia, Diretriz Política e Planos (conhecida como J5), está
encarregado de auxiliar no planejamento de operações do SOUTHCOM na
área do narcotráfico. Vale lembrar que esse
tema foi a desculpa para intervenções
na América Latina nos anos 90. Além de trabalhar diretamente para
uma potência estrangeira, expansionista e não interessada no
desenvolvimento do Brasil, tem que passar por situações bizarras.
Em
julho de 2020, o então comandante em chefe do Comando Sul das Forças
Armadas dos EUA, Almirante Feller, em conversa com o ainda presidente
Donald Trump, disse
jocosamente que “o Brasil paga para ele (o brigadeiro
brasileiro) trabalhar para mim”. O mesmo foi dito para um oficial
colombiano, também enviado para o Southcom [11].
Conclusão: um conjunto de infelicidades
Infelizmente,
tudo o que foi descrito neste texto forma a mais pura verdade,
absolutamente irrefutável. Mais infeliz ainda é a situação
vexatória em que se encontra nosso país, incluindo uma razoável
parcela de sua camada dominante, burocracia militar de carreira mais
que incluída. A retórica estúpida que sempre mescla política
doméstica com “pertença civilizacional ou universo de ideias
absolutamente abstratas” tende a criar ainda mais cegueira na massa
de repetidores cibernéticos, e amplia a capacidade do exercício
cínico da falta de razão para interesse próprio. A infelicidade
desta gente se completa ao constatarmos que a retórica estúpida
contra a Venezuela é um eco das vontades do Comando Sul do Império.
Por sinal, nesta instância imperialista é onde oficiais
latino-americanos de alta patente trabalham de graça, sendo pagos
pelos contribuintes de nossos países para atuar contra os interesses
da América Latina.
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